O milagre da mente alerta

Pedro Tângari
7 min readApr 18, 2019

Meu pai possui uma biblioteca de dar asas à imaginação, e de vez em quando entro despercebido e “alugo” um livro que me chamou atenção. Há alguns meses encontrei um pequeno livro que, sem querer, acabou mudando completamente a forma como encaro a vida.

Este livro se chama "Para viver em paz", e é composto por uma série de cartas de um monge budista chamado Thich Nhât Hanh.

(capa do livro)

Peço, gentilmente, que não se apeguem à religião alguma e venham comigo, pois mais do que crenças, o livro nos ensina como encarar a vida para encontrarmos paz através da “mente alerta”.

Entre tantas cartas presentes na obra, focarei apenas nas iniciais, as quais me impactaram pela simplicidade do que trazem. Além destas, o livro é por si só uma jornada pessoal, de modo que não poderia propor uma revisão completa, por parecer ser algo infinito — sempre que volto a ler aprendo algo novo. Então este texto é sobre como este livro me mudou, o que poderá ser diferente para você.

Afinal, o que o livro nos conta?

Em sua série de cartas, o autor conta para um amigo sobre como é viver em outro país e ensinar para a cultura ocidental o conceito de mente alerta. É impressionante a simplicidade deste conceito, que permeia toda a nossa vida cotidiana e tem impactos profundos em nossa felicidade.

Basicamente, o alertar da mente significa estar atento em todos os momentos em que vivemos, fazendo o que temos que fazer agora sem pensar no que faremos posteriormente.

Eu sei que parece impossível nos dias de hoje, mas por isso é tão forte. Seguindo a tendência atual da sociedade, somos levados a pensar que quando damos atenção a algo que não nos interessa estamos de fato perdendo tempo.

Enquanto é fundamental nos conhecermos para estabelecermos prioridades, também precisamos nos manter presentes ao realizá-las – hoje checamos nossos celulares e redes sociais constantemente por exemplo.

Mas o que ganhamos ao alertar a mente?

Quando não nos alertamos, perdemos a oportunidade de dar atenção ao presente “real”, que é onde nossa felicidade e paz se encontram.

  • Se considerarmos que o futuro nada mais é do que uma sequência de momentos passados, o que fazemos no momento atual é tão importante quanto o futuro — afinal são medidos nas mesmas moedas, nossa atenção, energia e tempo. Isso não significa que o futuro não importa, mas com certeza ele é produto de decisões tomadas hoje.

O livro nos traz que ao alertarmos nossa mente para o momento presente, e pararmos de enxergar nosso tempo como blocos separados de atenção para outras coisas ou pessoas, alcançamos um estado de “tempo ilimitado”:

"Eu descobri um jeito de ter muito mais tempo. Antes eu encarava o tempo como se fosse dividido em várias partes. Uma parte reservada para Tony (filho), ajudando-o nos trabalhos escolares, outra para Ann (esposa) ajudando-a a cuidar do bebê, indo ao mercado, levando a roupa para a lavanderia ou conversando com ela quando as crianças já estavam na cama. […] O tempo que sobrava eu considerava meu. E aproveitava para ler, escrever, fazer alguma pesquisa, ou sair para uma caminhada. Mas agora procuro não dividir mais o tempo em partes. O tempo gasto com Tony e Ann também é meu. Quando ajudo Tony num exercício escolar, tiro da cabeça de que 'este é o tempo reservado para Tony, mais tarde terei um tempo para mim mesmo.' Entro na lição com ele, compartilho de sua presença, ponho todo empenho naquilo que estamos fazendo naquele momento, de forma que o tempo dele se torna meu tempo também. O mesmo tenho feito com Ann. O curioso é que, com isso, o tempo que tenho para mim agora é ilimitado." (amigo do autor em relato pessoal)

Se por um lado precisamos nos policiar quanto às nossas prioridades, por outro se sempre pensarmos no momento seguinte, que em teoria será melhor, nós nunca seremos felizes em nosso momento atual.

Pelo menos para mim ficou claro que este momento não é pior, e sim diferente — mas ambos são meu tempo.

Alertar a mente nos ajuda a agradecer

O momento futuro pode representar um sonho, mas o momento atual é uma oportunidade de agradecer e ser feliz.

Assim, você fica feliz em qualquer momento e não somente quando está fazendo aquilo que mais gostaria, afinal é impossível controlar o mundo externo no qual vivemos.

Na verdade, só controlamos nossa reação, e ela pode ser de fuga ou de se alertar e se contentar pelo presente.

Se quisermos, até mesmo uma caminhada rotineira pode se tornar um fonte de felicidade:

"Eu gosto de andar sozinho pelos caminhos do campo ladeados por plantações de arroz e mato. Gosto de sentir meu pé pousando sobre o chão, cônscio de que estou pisando na terra. Nesses momentos, a existência é uma milagrosa e misteriosa realidade. Geralmente as pessoas consideram milagre caminhar sobre as águas ou no ar. Mas eu acho que verdadeiramente milagre é andar sobre a terra. Todos os dias estamos participando de um milagre que não temos capacidade de reconhecer. Pense só, Quang: o céu azul, as nuvens brancas, as folhas verdes, os olhos curiosos de sua filha Hai Trieu Am. Seus dois olhos também, Quang, como os dois olhos infantis dela, são um milagre, assim como o céu, as nuvens, as folhas…" (relato de autor em carta para amigo Quang)

Quando faço algo pensando em outro momento, me sinto muito mais infeliz e vazio durante e após a ocasião.

Se me contento com o que tenho agora, e aproveito isso, sinto uma profunda alegria por, até mesmo, lavar uma louça. A atividade deixa de ser um fardo, se torna o meu presente e nada mais importa.

Isso significa que não posso me planejar?

Para mim, planejar é fundamental para alcançar a mente alerta… mas o que é planejar?

Eu percebi que quando faço algo que não sei o porque, é muito mais difícil de me alertar. O porque é essencial, e pode ser tão simples quanto lavar uma louça para que eu possa cozinhar ou organizar a cozinha.

O problema é que invariavelmente faremos coisas que não entendemos a razão ou serão impostas a nós, e tudo bem… também faz parte entender que nem sempre isso estará claro, mas a mente alerta pode nos ajudar a vencer um desafio — agradecendo a ele — ou nos alertar para que algo está fora de sintonia com nós mesmos.

Por isso planejar é importante, mas não somente para o futuro, e sim para o hoje, que passa por entender quais são nossas prioridades, expectativas e obrigações, e porque temos que fazê-las. Assim, podemos ter clareza de o que nos chateia e tomar decisões conscientes para mudar nosso cotidiano.

Curiosamente, quando pensava em escrever este artigo, estava lavando a louça e percebi como estava correndo para acabar logo e sentar para escrever, até que pensei: “este artigo é mais importante que meu momento presente?”.

É claro que poderia parar de lavar louça, mas se lavar louça também é meu tempo, por que parar?

Se não consigo me contentar por cumprir minha obrigação, como posso falar sobre a mente alerta e ficar feliz com meu trabalho?

Tenho a impressão de que se não me contento com o simples, tampouco me contentarei com o eletrizante. É evidente que sempre teremos prioridades, mas podemos cair na armadilha de nunca estar contentes — quanto mais agradecemos, mais felicidade sentiremos pelas coisas.

Mas… e as dificuldades da vida?

Sinceramente, não tem como comparar uma dificuldade com a outra. Cada um tem suas batalhas e por isso não posso dizer que tudo vai se encaixar — na verdade, alertar a mente parece ser um esforço diário, e eterno.

Mas o que posso dizer é que a mente alerta ajudou a me contentar com a vida e encarar meus traumas e luto de outra forma, inclusive dando outro significado para os acontecimentos em minha vida.

Não é simples, mas é possível. E, além disso, é essencial.

Exige muito desapego da verdade sobre como achamos que a vida funciona e o que realmente importa — e pode ter certeza de que nossos vieses e crenças limitantes só nos reprimem.

Nos proibir a mudança, e assim a evolução, é em si uma forma de morrer. Alertar a mente é viver o momento presente e nele não há julgamento, somente “é o que tem que ser”.

Agradecer pelo que temos agora é a forma mais pura de honrar aos que se foram e aos que atualmente passam por uma dificuldade. Nossas avós já diziam para agradecermos nosso prato de comida, pois muitas pessoas não possuem a mesma oportunidade.

Alertar a mente me ajudou a perdoar mais, a mim a aos outros, agradecer pelo o que tenho e saborear melhor os momentos singulares de minha vida, mas sei que ainda estou no começo e é desafiador me manter alerta constantemente.

Tudo que contei é como o livro me impactou e me fez pensar em como encarar a vida. A mensagem que tentei passar aqui é mínima, mas espero que traga um pouco do que senti e que leve algo positivo a você.

O autor continua a nos ensinar como alertar a mente ao longo do livro, mas este início já nos dá muito insumo para repensar a forma como encaramos a vida, e principalmente a agradecer nossa existência e ter mais empatia.

Convido a todos a leitura do livro e, quem sabe, um café para conversamos mais sobre tudo isso!

Obrigado por ler!

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