Reconstrução

A vida requer mudança, e muitas vezes precisamos destruir para reconstruir.

Pedro Tângari
6 min readAug 10, 2019
Turma do Choro Solto =]

Quero contar para vocês sobre um curso que fiz recentemente na Perestroika, chamado Choro Solto. A princípio imaginei que o tema era oratória, mas o que realmente trabalhamos foi autoconhecimento, que é justamente o segredo para nos comunicarmos melhor.

A ideia era aprender sobre nós mesmos ao experimentar novas sensações, situações e desafios, que faziam com que nos sentíssemos perdidos, porém confiantes. Perdidos pois ninguém tinha vivido aquilo até então e tudo era muito novo. Mas confiantes, pois existia uma ânsia pela mudança e por viver tudo o que estava a nossa frente.

E acredite… não foi fácil. Afinal, Perestroika significa reconstrução em russo, e foi isso que fizemos.

O que me levou ao choro solto?

Desde o ano passado comecei uma jornada de autoconhecimento. Iniciei com um processo terapêutico, li muito e fiz mudanças em minha vida de acordo com o que aprendi (mudei de emprego, cortei distrações, etc).

O curioso, é que a partir de determinado momento comecei a ter mais consciência do que sinto, inclusive de reações físicas no meu corpo — como falta de ar em algumas situações ou frio na barriga em outras. Isso me ajudou tanto a perceber o que me fazia bem quanto a em que precisava melhorar.

Isso tudo me levou a procurar coisas que me colocariam em contato com aquilo que necessitava evoluir, como um livro, uma música, um esporte.. ou uma experiência.

E foi assim que cheguei até a Perestroika. O que me chamou a atenção foi a forma como o curso de apreentava e por uma programação de aulas e ideias bem diferentes do esperado de um curso de oratória, normalmente técnico e objetivo.

Como disse antes, foi um curso sobre autoconhecimento, pois tudo que fazíamos lá tinha relação com se comunicar melhor, mas passava pelo entendimento de que a verdadeira oratória vem de conhecermos e escutarmos bem os outros, e nós mesmos.

Como me senti no começo

O começo foi curioso, pois estava cansado de uma viagem na semana anterior e já comecei arrependido.

Pensei: “Putz! Precisava descansar para voltar ao ritmo do trabalho!”

Além disso, a primeira aula foi introdutória e pouco disruptiva para mim que já tive contato como que foi apresentado em outros formatos — apesar disso ainda é muito interessante, original e necessária.

Comecei com uma energia baixa e com um pé atrás sobre qual valor o curso me agregaria. Também estava um pouco fechado no começo, pois não sabia muito bem o que esperar.

Por isso era impossível saber tudo que me aguardava e como as aulas me mudariam.

O primeiro “soco”

Não darei muitos spoilers para não estragar a vivência de quem ainda não participou, mas no início houve uma aula sobre improviso e isso foi assombroso.

Eu não consegui improvisar. Era como se tivesse recebido um soco na barriga, não conseguisse respirar e existisse um cadeado em minha mente que não me permitia acessar qualquer conteúdo criativo e original.

O mais engraçado é que eu sabia que precisava explorar meu lado do improviso, mas eu nunca imaginei que seria um desafio tão grande assim. Eu não conseguia participar bem de nenhuma atividade.

Eu me sentia julgado, mas era eu quem julgava a mim mesmo antes de falar. Me sentia pouco criativo, com medo e sem palavras. Era como se tudo que eu tivesse vivido não contasse de nada e alguns dias depois foi quando dei um significado para tudo isso.

Aparentemente, eu não me sinto bem em cenários que pedem por uma ação rápida e nos quais eu não possuo contexto, ou melhor, onde vale qualquer contexto.

Consigo tomar decisões rápidas quando enxergo os possíveis resultados ou posso usar experiências anteriores para definir o melhor percurso. No entanto, quando não há regra e tudo que conta é sua criatividade, me senti acuado e sem voz por não conseguir acessar tudo que possuo ou não saber escolher o que usar.

E por que me sinto assim?

Ficou bem claro que o medo de ser julgado é forte, além do auto julgamento. Em situações que conheço, sei controlar o resultado e as expectativas dos envolvidos, mas num caso de infinitas possibilidades, travei. Simples assim.

E esse é meu primeiro aprendizado do curso: me colocar em mais situações nas quais controlo o resultado não me trará o mesmo crescimento que situações nas quais não faço ideia do que pode acontecer.

Amigos

Eu passei minha vida inteira fazendo e perdendo amigos, pois tive traumas que me levaram a não enxergar valor nas relações.

Isso tudo me fez perder muitas oportunidades e não investir em amizades. Acredito que passei por momentos de luto mas também por uma má compreensão de meu perfil introvertido, que se energiza através de tempo sozinho (hoje em dia escrevendo) e um sentimento de que eu não precisava me relacionar.

Felizmente minha jornada me mostrou que estava errado.

No começo da vivência na Perestroika, me senti pressionado por fazer amigos. Até encontrei um amigo antigo, mas sentamos longe na maioria das aulas. Em algum momento me perguntei se eu conseguiria me soltar para me relacionar bem com as pessoas.

Já sabemos onde isso nos levou, certo?

KARAOKÊ…

Depois de me soltar cada vez mais, especialmente por conta das dinâmicas diferentes do curso, me conectei com pessoas pelo mais variados assuntos. No começo foi pela incerteza do que viria a seguir, depois pelo alfajor maravilhoso, depois por filosofia, e assim fomos até o karaokê no happy hour da última aula.

Fico feliz de saber que pude viver algo único com desconhecidos e me conectar com tanta intensidade. Na rotina dificilmente temos a oportunidade de compartilhar um espaço com tantas pessoas desconhecidas, e acho que isso faz falta.

Eu conheci pessoas únicas, cada uma com seus motivos, medos e história, mas juntas por um propósito comum. Ah, e todas eram fantásticas.

E afinal, como eu mudei com isso tudo?

Se todos estes aprendizados ainda não são o bastante, posso dizer que internalizei muitas coisas do curso em si.

Mas o principal foi entender que experiências assim me colocam em contato com minhas vulnerabilidades e permitem me conhecer ainda mais. Não que eu esteja pronto para pular de pára-quedas, mas quem sabe um pouco mais próximo.

Além disso, o curso reforçou algo em que acredito e molda minha vida: somos responsáveis por nossas reações e não podemos controlar as dos outros.

Com relação a isso, gosto de lembrar de Epíteto que nos diz:

"A felicidade e a liberdade começam com a clara compreensão de um princípio: algumas coisas estão sob nosso controle e outras não. Só depois de aceitar essa regra fundamental e aprender a distiguir entre o que podemos e o que não podemos controlar é que a tranquilidade interior e a eficácia exterior tornam-se possíveis.

[…]

Lembre-se também do seguinte: se você achar que tem domínio total sobre coisas que estão fora de seu controle, ou se tentar assumir as questões de outros como se fossem suas, sua busca será distorcida e você se tornará uma pessoa frustrada, ansiosa e com tendência a criticar os outros." (Epicteto, A arte de viver — Sharon Lebell, pg 21–22)

Portanto, "eu não dou conta do outro" é a mensagem que ficou gravada em minha mente, e provavelmente em todos que estavam lá.

Enfim, posso dizer que foi uma experiência memorável.

Ao me entregar ao processo permiti que ele me mudasse, e eu a ele — tudo ali era uma cocriação, pois nossa participação era o que permitia que a dinâmica acontecesse.

Sei que a jornada ainda é longa, e talvez nunca acabe enquanto vivemos, mas com certeza buscar vivências como essa só vão deixá-la mais leve e interessante, para não dizer feliz.

Então, agradeço de coração aos organizadores do curso e espero que continuem impactando assim as pessoas e falando para elas:

Be water, my friend!

;)

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