Terapia para loucos

Pedro Tângari
9 min readMar 18, 2020

Todo mundo já ouviu alguém falar: eu não preciso de terapia, isso é coisa de doido…

Afinal, terapia é isso mesmo?

Na verdade, a resposta é bem distante dessa definição. De fato, acredito que o mundo que vivemos hoje é tão complexo que é improvável que a gente consiga lidar com todos os estímulos e emoções que sentimos sem uma ajudinha ali e aqui.

E essa é a mensagem que gostaria de compartilhar aqui: como eu enxergo o mundo da terapia e por que ela é importante para todos nós.

Minha história resumida

Vou começar pela minha história para dar um pouco de contexto sobre minha longa relação com terapia.

Apesar de ter mais de uma passagem em diferentes terapeutas, a verdade é que em minha infância não era eu quem estava tomando as decisões sobre ir na terapia ou não. Após algumas perdas em minha família desenvolvi tiques nervosos que já me incomodaram muito, mas cada vez mais aprendo a lidar com eles. *Agradeço pela sabedoria e condição de meus pais me colocarem em contato com terapia — é inimaginável o valor que isso teve para mim.

No entanto, vou focar aqui na minha passagem mais recente pois foi a primeira vez que decidi por conta própria fazer terapia e está sendo transformador.

Não somente pelo fato de que hoje estou muito mais consciente do que em minha infância mas também por que consegui criar uma forte conexão com minha terapeuta, que me permite me abrir e adentrar as "profundezas de meu ser".

Atualmente faço terapia no método Gestalt e meu grande foco é evoluir meu autoconhecimento para lidar com emoções que ainda não sei como.

Busquei minha terapeuta em 2018, um momento bem conturbado em minha vida profissional, financeira e pessoal. Eu não queria mais trabalhar onde estava e quase me demiti sem ter nenhuma outra opção realista; eu não tinha uma boa reserva e controle financeiro que me permitissem navegar melhor minha vida; e meu relacionamento estava num momento delicado faltando 2 meses para o casamento.

Não acho que minhas dificuldades práticas são maiores do que de outras pessoas, mas também entendo que cada um de nós vive em sua mente e esta pode ser uma tortura mesmo quando temos as melhores condições financeiras possíveis.

Cada um de nós lida com uma realidade que outras pessoas sequer imaginam. Já perdi as contas de quantas pessoas me olharam com estranheza quando estava em uma crise de tiques — afinal às vezes parece até que quero parecer forte contraindo todos os músculos do corpo… mas não é bem isso.

Minha história é baseada principalmente nessa luta interna contra fortes fobias e tiques que podem me causar dor, tirar o sono, incomodar pessoas ao meu redor e preocupar meus entes queridos.

O valor que minha terapia atual tem para mim é infinito: desde que comecei venho alcançando conquistas pessoais e me conhecendo tanto que posso afirmar que hoje sou uma pessoa com muito mais controle e intenção.

Isso não significa que a terapia mudou minha essência, mas na verdade ela me ajuda a lidar com o que significa ser minha essência e todo o monte de coisa que acontece entre os estímulos que recebo e minhas reações.

Mas, afinal, como funciona?

Até onde já conversei com outros pacientes de terapia, cada um tem um funcionamento e gosto por diferentes metodologias, pessoas, idades, etc. Vou compartilhar um pouco de como é para mim pois assim, quem sabe, facilita para você que não sabe o que fazer quando sentar na frente do terapeuta — de paciente pra paciente, é bem simples, basta tentar!

A minha primeira sessão foi de descoberta. Falei um pouco do momento que estava passando e perguntei como funcionava o trabalho dela, afinal cada um tem um jeito diferente certo?

Neste momento, minha terapeuta me explicou como eu enxergaria minha evolução e foi aí que eu me convenci de que era ela com quem eu queria falar toda semana.

Ela me explicou como a terapia é uma semente que plantamos no começo do trabalho e regamos com toda sessão e exercícios pessoais. Por algum tempo tudo que você verá é terra… mas algum dia, do dia pra noite, terá ali um broto, que vai parecer não crescer até que voilah! ele cresceu mais um centímetro. E mais outro, e mais outro… só basta continuar regando.

Bom isso explica um pouco como será sua evolução, mas e o dia a dia?

Minha sessão de terapia normalmente começa antes da sessão, quando começo a pensar nas sessões anteriores e no que está acontecendo em minha vida nessa semana. Eu tenho um caderno onde escrevo notas pessoais mas também anoto os assuntos e insights das sessões anteriores no celular.

Isso tudo me ajuda a criar clareza sobre quais são os temas que estão em pauta na minha vida e na terapia. Essas ferramentas ajudam muito na hora de me preparar para a próxima sessão — e algo que nem todo mundo se dá conta é que se preparar para a terapia já faz parte dela!

Com isso tudo em mente, saio de casa, pego o metrô, desço na Vila Mariana e chego no consultório. Quando ela abre a porta e me convida a me sentar no sofá de frente pra ela e nosso papo começa assim:

  • Eu: Oi tudo bom?
  • Mayara: Tudo e com você?
  • Eu: Tudo também!
  • Breve silêncio
  • Eu: Nessa semana minha vida está assim, e aconteceu assado. Além disso, estava pensando e seria legal falar um pouco sobre o tema A e também aquele tema B da outra semana.
  • Mayara: Que legal, vamos lá!

E aí… eu nunca mais paro de falar

É claro que dependendo do dia um tema ou outro esta mais quente, e ao longo do tempo identificamos temas chave sobre minha vida, que precisamos falar mais de uma vez mas nem sempre meu estado emocional é propício.

O que importa mesmo é falar sobre o que quiser, pois tudo vira um gancho emocional — acredite em mim, nada que vem em nossa mente é por acaso… tudo tem a ver com essas tais emoções que ficam tentando nos arruinar a cada esquina! Brincadeira…

De fato, podemos acabar falando sobre qualquer coisa, como meu relacionamento, meu trabalho, meus projetos, sobre outras pessoas, sobre o tempo, sobre o caminho que pego pra ir pra lá, etc. No fim, o importante é estar aberto a entrar nas emoções que estão por baixo dos assuntos superficiais.

Mas e se eu não tiver o que falar? Bem, provavelmente eu não dediquei tempo para pensar sobre mim, mas sempre ajuda começar contando como foi a semana e coisas mais superficiais. Além disso, minha terapeuta tem jogos e ferramentas para me ajudar a soltar o verbo se eu precisar de um empurrãozinho.

Apesar disso, não espere que se terapeuta vai te guiar de forma direta. Raramente (mesmo) ela fez alguma conclusão ou direcionamento de assunto. Acontece que ela quer me estimular a falar do que tenho em mãos e não direcionar meus assuntos — o que pode mudar entre métodos diferentes.

Outro fator importante é que entramos em rapport (palavra chique para sintonia) assim que sentamos e falamos as primeiras frases, mas isso não foi sempre assim. A relação com o terapeuta é construída ao longo do tempo, de forma que quanto mais sincero e abertos somos mais fácil será entrar em sintonia, o que te fará sentir que está escrevendo num diário que ninguém tem acesso do que falando com uma pessoa externa a sua vida!

Legal, mas e como você se sente?

Acho que aqui tem duas formas de olhar como me sinto com relação a terapia:

  1. Como me sinto logo após a terapia
  2. Como me sinto após algum tempo de terapia recorrente

Não tem como saber exatamente como uma sessão de terapia vai acabar e onde você estará emocionalmente.

Porém, ao longo do tempo percebi que quando dedico tempo para pensar antes e posso acessar minhas anotações, saio da sessão querendo escrever sobre o que passou e muito energizado sobre as descobertas sobre mim mesmo. Apesar disso, já saí da sessão chorando "rios" ou com sentimento de inércia, isto é, como se não tivesse progredido.

Por isso, não se assuste se no começo ficar confuso sobre como se sente após a sessão — com o tempo saberá identificar sentimentos e até melhorar sua sessão, porém não deixe de anotar sobre o que sentiu e assuntos abordados!

Apesar dessa dinâmica, é importante salientar que minha terapeuta nunca me fez agressões que fizeram eu sair de lá mal pelo comportamento dela. Não sou especialista em linhas de psicologia, mas eu sei que não me daria bem com alguma terapia que me fizesse me sentir mal constantemente por estímulos externos e não reflexões internas suportadas pelo apoio profissional.

Por isso um aviso: se você não está feliz com sua terapia, pense bem se faz sentido continuar. Já tive amigos nessa situação e só os fez mal. Não sou especialista para avaliar quadros clínicos, por isso deixo uma dica: converse com alguém ou visite outro terapeuta, conte como são as sessões e veja a reação. Isso pode dar algum sinal de que algo está errado.

Por outro lado, ao longo do tempo comecei a ganhar alguns super-poderes por conta de minha terapia. Além de encarar muitos medos e desafios até então parados (como publicar meus artigos!), notei outros ganhos inesperados:

  • Minha capacidade de conversar e me expressar evolui absurdamente: quantas vezes paramos para falar e pensar de nós com alguém 100% atento ao que você está falando? Se não é na terapia, isso é muito difícil de acontecer. O legal de ter alguém prestando atenção é que essa pessoa pode te oferecer feedbacks e novos recursos para se expressar, o que amplia sua visão e capacidades.
  • Auto-percepção: quanto mais evoluímos na terapia mais temos uma maior percepção de nós mesmos, o que significa uma maior capacidade de identificar sentimentos e controlar nossas reações.
  • Inteligência emocional: ganhamos também uma maior capacidade para lidar com nossos sentimentos de formas não destrutivas. Além de ferramentas, ganhamos também uma “elasticidade emocional” que nos ajuda suportar situações antes insuportáveis.
  • Modo observador: esse é curioso… mas por conta do exercício de contar nossa história e nossa auto-percepção às vezes entramos num modo observador em que quase observamos nossa vida fora de nós mesmos. Eu sei , parece loucura, mas é verdade! Já troquei experiências com outras pessoas que comentaram o mesmo e é uma experiência surreal, além de ser uma ferramenta de auto-percepção.
  • Significados: ganhamos um entendimento sobre como é importante dar significados para as coisas e que eles dependem de nós, ou seja, as coisas só possuem importância e definição de acordo com o que sentimos e pensamos. Logo, dar significados é tomar o controle de nossa vida e organizar nossa sistema interno, tanto para mudar o que nos faz mal como para impulsionar o que nos faz bem.

Com certeza ganhei muito mais coisas, mas enxergo essas conquistas como as mais notáveis.

Isso significa que sou mestre nelas? De modo algum, mas sou melhor hoje do que ontem!

E é isso que a terapia tem para nos oferecer: podemos melhorar e enfrentar nossos demônios com um apoio e profissionalismo.

A terapia é para loucos, que somos todos nós que vivemos num mundo caótico e complexo, onde falta empatia e sobra egoísmo, falta calma e sobra agressividade, falta uma mão amiga e sobra medo… Por isso assuma sua loucura e busque um terapeuta, que não vai te deixar menos louco mas te ajudará a entender essa loucura e direcioná-la para seu bem!

Se você está lendo este texto você é um amigo ou interessado no tema; de qualquer forma desejo a você uma pitada de loucura e que encontre um@ terapeut@ que te faça bem e ajude a trilhar seu caminho.

Este texto é sobre terapia e minha sugestão para que busque terapia assume que você possui recursos para pagar pelo tratamento.

Infelizmente nem todos possuem recursos para isso. Acredito que o acesso a apoio emocional está longe de ser universalizado, mas algumas iniciativas como ONGs e terapia online podem ajudar. De qualquer forma, busque uma forma de falar com alguém sobre o que sente — isso é muito importante.

Além disso, se você leitor possui uma posição privilegiada, seja consciente e pense em como as pessoas se sentem, especialmente quem vive num cenário crítico. Este é o primeiro passo.

De qualquer forma, se você quiser falar comigo pode responder como comentário aqui ou me mandar um e-mail em pedroa.tangari@gmail.com .

Obrigado por ler!

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